quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O culto dos mortos e as “procissões dos ossos”

(Forca de Freixiel, Vila Flor, do livro Património Imaterial do Douro, vol.3)

O culto dos mortos [que o cristianismo cosagra em todo o mundo no dia de hoje] traz consigo uma grande energia simbólica. Muitas tradições do dia de Fiéis e Defuntos perderam-se já, como sucedeu com as antigas “Procissões dos Ossos”. Os criminosos, sentenciados a morrer nas forcas, ali ficavam a apodrecer e ninguém recolhia os seus corpos. Sem amigos e, tantas vezes, rejeitados pela família, aqueles míseros esqueletos aguardavam dias, semanas e meses por uma oração ou por um gesto de compaixão que não havia. Era então neste dia que os irmãos das Misericórdias se deslocavam às forcas, em procissão, cobertos de negros balandraus, e recolhiam os ossos em esquifes, transportando-os para os seus locais sagrados de enterramento, num cerimonial de apelo profundo à compaixão divina para com a alma daqueles infelizes, que sempre terminava com uma missa. Desta forma, enquanto a justiça dos homens eliminava da sociedade os criminosos, a Igreja e em especial as Misericórdias acolhiam-nos sem discriminação, num gesto clemente e misericordioso, procurando conferir-lhes alguma dignidade na morte. Sabe-se também que, mesmo quando não havia ossos a recolher, a procissão se realizava à mesma, num tempo em que os rituais tinham um sentido inabalável. (AParafita)