(Forca de Freixiel, Vila Flor, do livro Património Imaterial do Douro, vol.3)
O culto dos mortos [que o cristianismo cosagra em todo o mundo no dia de
hoje] traz consigo uma grande energia simbólica. Muitas tradições do dia de
Fiéis e Defuntos perderam-se já, como sucedeu com as antigas “Procissões dos
Ossos”. Os criminosos, sentenciados a morrer nas forcas, ali ficavam a
apodrecer e ninguém recolhia os seus corpos. Sem amigos e, tantas vezes,
rejeitados pela família, aqueles míseros esqueletos aguardavam dias, semanas e
meses por uma oração ou por um gesto de compaixão que não havia. Era então
neste dia que os irmãos das Misericórdias se deslocavam às forcas, em procissão,
cobertos de negros balandraus, e recolhiam os ossos em esquifes,
transportando-os para os seus locais sagrados de enterramento, num cerimonial
de apelo profundo à compaixão divina para com a alma daqueles infelizes, que
sempre terminava com uma missa. Desta forma, enquanto a
justiça dos homens eliminava da sociedade os criminosos, a Igreja e em especial
as Misericórdias acolhiam-nos sem discriminação, num gesto clemente e
misericordioso, procurando conferir-lhes alguma dignidade na morte. Sabe-se também que, mesmo quando não havia
ossos a recolher, a procissão se realizava à mesma, num tempo em que os rituais
tinham um sentido inabalável. (AParafita)