[A pureza da alma na pureza da fala. Foto de JB César]
É frequente
ouvirem-se a um camponês transmontano locuções e frases peculiares, cujo
sentido apenas é perceptível no contexto vivencial: “Deus lhe alumeia”, “dá-o Deus
na eira...”, “bô noite nos deia Deus”.
Ou então, se o exercício verbal o trai para um sentido impróprio, logo
acrescenta: “Que Deus me perdoe” ou “que o Diabo seja surdo”; e quando evoca
o nome de alguém já falecido é frequente dizer também: “Que Deus lhe fale na alma”. Curiosa é ainda a forma como a voz da
tradição se expressa ao perguntar o nome a alguém: “Qual é a sua graça?”. Esta síntese, para além de bela, é profunda
no seu significado; equivale a perguntar: “Qual o nome que lhe foi dado por
meio da graça do baptismo?” E com a mesma intensidade, a traduzir o seu feitio
entre jocoso e místico, o povo usa também o prolóquio “Graças a Deus muitas, graças com Deus poucas (ou nenhumas)”.
É a oralidade
do povo na sua dimensão maior, a comprovar que a língua é para ser falada e que
“a grafia é de convenção secundária”, confirmando também o sentido da famosa
metáfora socrática que tem inspirado o pensamento de vários filósofos: “Fala para que eu te veja!”.
Alexandre Parafita
In Antropologia da Comunicação, Lisboa, Âncora Editora, 2012