Ao introduzir, no Canto
IV dos Lusíadas, a personagem do Velho do Restelo escarmentando a
partida dos navegadores para a epopeia dos Descobrimentos sob o argumento de que
seria um desastre para a nação, Camões revelou uma visão profética intemporal, simbolicamente
traduzida no pessimismo agourento daqueles que, no país, tudo fazem para desengrandecer
desafios mais ousados e corajosos.
Veja-se o caso da
Regionalização. Após a revolução de abril e, pelo menos, até 1996, o país
estava determinado a avançar com a Regionalização, que, por isso, fora inscrita
na Constituição de 1976 e confirmada pela Lei nº 56/91 de 13 de agosto. Seriam
então criadas oito regiões administrativas, uma delas a região de
Trás-os-Montes e Alto Douro. Porém, nada veio a cumprir-se, por força de
desentendimentos políticos gerados posteriormente, em especial pelas posições
antirregionalistas de franjas expressivas do PSD e CDS. Daí que, alterada a
Constituição em 1997, ficasse a Regionalização dependente de um referendo
popular, o qual, realizado no ano seguinte e precedido de uma poderosa campanha
mediática que problematizou os ganhos previsíveis com a Regionalização, viria a
pronunciar-se contra.
Entretanto, os ganhos
esperados com a não-Regionalização, ao contrário do que fora apregoado, viriam
a tornar-se o maior desastre da História. O Estado centralista reforçou-se e o
interior empobreceu e esvaziou. O país está a ficar oco. Portugal perdeu.
Não admira, por isso,
que, cinco anos após o referendo, numa sondagem efetuada no âmbito do Programa
Prós e Contras da RTP, 46% dos portugueses, contra 22%, assumisse ter errado
quando disse não à Regionalização. Vale, pois, a pena trazê-la para a ordem do
dia, mas agora com um debate franco, leal e sem o pessimismo manipulador do
passado.
in JORNAL DE NOTÍCIAS, de 21-6-2022