Um
povo culto, ainda que não erudito, é exímio no uso das metáforas. Assim o tenho
percebido na estreita relação que mantenho com alguns dos grandes sábios
transmontanos, mestres da tradição oral, onde vou colhendo metáforas que são figurações
muito pertinentes nos tempos em que vivemos. Como esta de um sapo fanfarrão que
passava o tempo a gabar-se junto das rãs. Dizia que era o melhor em tudo, que
não havia quem lhe passasse a perna. Nisto, estava ele com a “cantilena” do
costume, foi calcado por um boi que o mantinha preso sob o casco.
–
Estás aflito? – perguntaram as rãs.
–
Bô?! Estou a segurar este boi pela pata, para que não caia! – responde o sapo
Por
fim, com tamanho peso em cima, começaram a sair-lhe as tripas, e, de novo questionado
pelas rãs:
–
E agora? Estás aflito?
Ele
respondeu:
–
Não. Estou a segurar as correntes do relógio.
Certamente,
ainda lá estará a enganá-las ou a enganar-se a si próprio. Quando se persiste
no discurso, ou na obsessão, de que “somos os melhores”, mas os estudos dizem
que 43,5% (4,48 milhões) de portugueses se encontram em risco de pobreza, ou
que Portugal está a caminho de cair para “o terceiro país mais pobre da União
Europeia” (Expresso, 3-5-2022), colocamo-nos também na posição daquele sapo
que, nem com as tripas de fora, conseguia assumir a complicada situação em que
estava.
Joaquim
Miranda Sarmento, um eminente especialista em Finanças Públicas, escreveu uma
obra que qualquer político hoje deveria ler (“Portugal, Liberdade e Esperança –
uma Visão para Portugal 2030”, Bertrand, 2021), onde, evocando a lição de
Esopo, concluiu: “Enganar-se a si próprio pode levar à autodestruição”. Recorreu
a Esopo, pois claro. Ou não fosse ele o grande mestre das metáforas. Tal como
os sábios transmontanos.
In Jornal de Notícias, 27-5-2022