Num país que se afirma
civilizado, em pleno séc. XXI, somos surpreendidos amiudadas vezes por notícias
que nos atiram aos olhos situações revoltantes em que se acham os nossos
idosos: lares ilegais sem conforto e segurança, com idosos maltratados,
humilhados e agredidos; idosos abandonados nos hospitais onde entram nas
urgências, depois recebem alta médica mas não têm retaguarda familiar ou
institucional que os acolha.
Em 2023, a estatística
indicava que perto de 1700 pessoas eram mantidas de “forma inapropriada” nos
hospitais. Muitas sem família que as queira ou possa acolher e outras
abandonadas pela Segurança Social, que o mesmo é dizer pelo Estado, incapaz de garantir
um lugar num lar de 3ª idade a quem apenas recebe uma mísera reforma de 300
euros, sendo o custo médio num lar superior a 1.400.
No lendário de algumas
regiões, alude-se, simbolicamente, ao abandono dos velhos em montanhas
isoladas. Existem mesmo locais referenciados. No Monte Córdova, em Santo Tirso,
há um lugar denominado “Picoto do Pai”, onde a lenda diz que, em tempos idos,
os filhos iam deixar os pais para aí terminarem os seus dias, deixando-lhes uma
manta e uma broa de pão. Conta-se que um dos velhos levado num carro de bois
por um filho, aconselhou-o a que lhe deixasse só metade da manta e levasse a
outra metade para quando chegasse o seu torno. “E porquê?” perguntou o filho.
“Pois então? respondeu o velho – Até aqui trouxe eu meu pai, tu trouxeste-me
a mim, e teu filho há de trazer-te a ti”. Ouvindo tal, o moço apressou-se a repô-lo
no carro e voltou com ele para casa, terminando assim por aqueles lados esse
terrível costume.
Nesta
lenda, historicamente improvável, há uma mensagem simbólica que procura
despertar a consciência das sucessivas gerações para que os idosos tenham um
entardecer de vida digno. Uma consciência que parece arredia de quem vem
governando este país, onde a metade da manta é a miséria das soluções de
solidariedade social que o Estado oferece aos seus idosos.