Falando de fábulas. Têm sempre um propósito
moralista, mas, por vezes, pouco ou nada recomendável. E pior ainda, quando o seu
epílogo de teor moral procura enfatizar aquilo que uma boa alegoria deveria
dispensar, já que o esforço de explicar o óbvio é, em si mesmo, uma categorização
imbecilizadora de quem lê ou ouve. Daí que quase pouco as recomende,
especialmente quando desanexadas de um sentido crítico da duvidosa moral que
veiculam.
É o caso de uma conhecida fábula de Esopo,
que, querendo defender a recondução no cargo de um determinado líder político,
vem narrar a alegoria da raposa e do ouriço. Conta que, estando uma velha raposa
atormentada pelas pulgas que se lhe entranhavam no couro, prontificou-se o
ouriço a ir catá-las. Ao que a raposa respondeu que não. Que as deixasse estar.
«Estas estão cheias e já pouco mais poderão sugar – justificou. – Se as vieres
catar, outras virão, famintas, ocupar o seu lugar.».
Mesmo não me sendo simpáticas as fábulas
moralistas, e muito menos quando procuram sustentar moralidades perversas, não
me inibo de invocá-las, enquanto metáforas de realidades morrinhentas, como é o
caso de regimes políticos que procuram perpetuar-se, com as mesmas cadeiras, os
mesmos rostos, o mesmo discurso.
Na webesfera tropeça-se com frequência numa
outra metáfora, atribuída a Eça de Queirós (erradamente, julgo), que compara os
políticos às fraldas nos bebés, havendo que mudá-las amiúde para evitar que
empestem. Um sentido próximo do provérbio transmontano: “Criados e bois… um ano
ou dois”.
Ocorrem-me estas achegas quando reparo nas
listas anunciadas para as próximas eleições e continuo a ver os rostos que já
via há 20 e 30 anos…
(AP)
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 13-8-2019