Após vir a uma das mais emblemáticas
universidades portuguesas receber um surpreendente título doutoral, Lula da
Silva, que se orgulhava de nunca ter lido um livro, não hesitou em,
publicamente, fazer desabar sobre os portugueses as culpas dos atuais atrasos
na educação no Brasil, por não terem, segundo os seus argumentos, criado
universidades no território colonizado. Uma desculpa esfarrapada, é claro,
reveladora de uma grosseira ignorância, como, de resto, já aqui tivemos ocasião
de demonstrar.
Não querendo estabelecer uma relação
direta com este rasgo desabrido do ex-presidente Lula, merece-nos, ainda assim,
grande estranheza a recente proposta do Ministério da Educação do Brasil de pôr
fim à obrigatoriedade do ensino da literatura portuguesa no país, deixando esta
de integrar a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Uma proposta que afastaria
das escolas brasileiras autores marcantes da lusofonia como Pêro Vaz de Caminha
(autor do texto fundador do Brasil), Camões, Gil Vicente, Padre António Vieira,
Eça, Garrett, Pessoa, entre outros, e que, para cúmulo, surge quando Portugal e
Brasil se empenham na CPLP e implementam um novo Acordo Ortográfico que exigiu
das editoras um esforço enorme na adaptação e reedição das obras dos autores
clássicos.
Mas mais estranho ainda é perceber, nos
pressupostos, equívocos que induzem a crer que o ensino estruturante e
matricial da literatura portuguesa seria uma espécie de “ruído” num novo plano
estratégico educacional brasileiro voltado para a valorização dos textos
tradicionais, da cultura popular afro-brasileira e indígena. Como se em alguma
parte do mundo esses universos ou modalidades culturais colidissem no sistema
de ensino. E como se na literatura popular brasileira, tal como em muitos dos
rituais tradicionais que a sustentam, não estivesse também o âmago de muita da
cultura tradicional portuguesa. Com a particularidade de boa parte dessa
cultura ter hoje mais força no Brasil do que em Portugal, onde muitas
manifestações já se desfiguraram ou extinguiram. É o caso, entre muitos outros,
das tradições do “Alardo”, “Cheganças”, “Congadas”, “Mouramas” “Taieiras”,
“Reisados”, “Marujadas” e “Cavalhadas”, reposições de um teatro popular com
origem medieval que continuam sendo um grande referencial lúdico e identitário
da cultura tradicional brasileira.
Alexandre Parafita
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 18-4-2016