(Fotos de Filipe Camelo)
Outrora conhecida como
a “festa dos bêbados”, hoje há quem perceba nela um sentido antropológico
profundo. A festa do São Martinho de Maçores, em Trás-os-Montes, que dura 3
dias e um pouco mais (daí o provérbio “Verão de São Martinho são três dias e
mais um bocadinho”), é dominada por uma mescla de rituais cristãos e pagãos, sendo
que nestes são percetíveis reminiscências dos antigos cultos aos deuses da
vinha e do vinho das culturas clássicas grega e romana.
Na festa de Maçores realça-se
uma procissão de homens, encimada por um gaiteiro, que vai pelas ruas
recolhendo dos lavradores as dádivas de vinho novo que é despejado das
pichorras para uma caldeira que dois rapazes conduzem enfiada numa vara. Feita
a recolha, a população e os visitantes ajoelham-se diante da caldeira e cada um
debruça-se sobre ela para beber, sempre ao som da gaita-de-foles. No mesmo
local, assam-se as castanhas em lume feito de palha e distribuem-se os bilhós a
quem participa na festa.
Há, assim, neste ritual
restos de uma herança clara das celebrações às divindades mitológicas da Grécia
antiga e do império romano, onde o culto do vinho se popularizou com as suas
excentricidades, em homenagem ao deus Dionísio na Grécia e ao seu homólogo Baco
no império romano, um e outro deuses do vinho, das festas e dos excessos.
Quanto à relação do São
Martinho com o vinho ou com este culto pagão, ela nada tem a ver com a sua
natureza e perfil hagiográfico. A lenda do santo, bem conhecida, vai noutros
sentidos e explica, por exemplo, a sua conversão ao cristianismo e também o
fenómeno meteorológico chamado “Verão de São Martinho”. Trata-se, pois e apenas,
de uma oportuna coincidência de calendário: nesta altura do ano, acontece o fim
do ciclo de fermentação do mosto, e o vinho já está em condições de ser bebido.
Daí também o provérbio: “No São Martinho já o mosto é bom vinho”.
AP