Mostrou-me há dias, Raul Morais, investigador da UTAD, um robô que
construiu com colegas e alunos, apto a entrar nos vinhedos escarpados do Douro
e a auxiliar o agricultor nas suas árduas tarefas. Equipado com a eletrónica mais
avançada, planeia trajetórias e, numa 1ª fase, entra pelos geios dentro, faz pesquisas
sobre as necessidades das vinhas e o homem fará o resto. Numa 2ª fase, já será
o robô a substitui-lo em muitas tarefas: pulverização inteligente, corte seletivo
de matéria vegetal, entre outras.
Descendente que sou dos velhos lavradores que construíram a paisagem do
Douro, hoje Património Mundial, que esculpiram os seus vinhedos, dotando-os de
uma beleza ímpar, mas trabalhando, como ainda hoje, de sol a sol, numa luta espinhosa
e desigual com a terra, não pude deixar de observar se não estará neste admirável
modelo da robótica o lado mais esperançoso da profecia de Huxley, que há meio
século inquietou a humanidade com o seu “Admirável Mundo Novo”, futurando uma
sociedade escravizada pela tecnologia, com pessoas programadas em laboratório, surpreendidas
por um rumo que nem sequer idealizaram, como se a tecnologia não fosse feita
para o homem, mas o homem tivesse de ser feito para a tecnologia. Um quadro
inquietante que, afinal, já aí está, numa geração de “nativos digitais”,
dominados por tecnologias que avassalam sem defesa, crianças e jovens moldados
pelo uso de tablets, smartphones, androids, iPhones, iPads; mas também nos paradoxos de uma
sociedade moderna, em que os anseios de privacidade por vezes obsessiva das
famílias esbarram com os prazeres da visibilidade nas redes sociais, expondo
viagens íntimas, fotos e nomes dos filhos, e cada vez menos adotam atitudes
críticas em relação às tecnologias.
Anima-me, por isso, que nesta
investigação da UTAD refloresça o outro lado desse admirável mundo. O lavrador
do Douro, que noutros tempos tinha ao seu lado filhos e netos, numa
cumplicidade incondicional, filhos e netos que se vão esfumando nesta dureza de
vida, pois já não se conformam com ela, um dia vê-lo-emos seguir pelos geios do
Douro com um companheiro electrónico ao seu lado.
AP
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 6-6-2015