O
lobisomem é uma das figuras mais inquietantes da mitologia popular da generalidade
dos países. Como a própria designação sugere, trata-se de um ser híbrido de
lobo e homem. Tido como uma criatura medonha, com a qual ninguém ousa
encontrar-se, o lobisomem é, ainda assim, considerado por muitos como um ser
bom e inofensivo, que apenas cumpre um fadário com o seu próprio tormento.
Sobre a origem deste fadário, correm na tradição popular várias hipóteses. As
mais correntes são: 1 - quem tiver sete filhos varões a eito, o último tem de “correr fado”, a menos que tenha tido
como padrinho um dos irmãos; 2 – o padrinho que no batismo deixe de dizer
certas orações, pode estar a contribuir para que a criança venha a tornar-se
lobisomem; 3 – diz-se também que do casamento com comadres e cunhadas nascem
filhos lobisomens.
O fadário consiste, geralmente, em
ir despir-se à meia-noite numa encruzilhada, espojando-se no chão, onde um
animal já antes fizera o mesmo, após o que se transforma nesse animal. Há
aldeias onde se diz que o lobisomem, enquanto corre fado, pode comer pessoas, e
sobretudo crianças, por serem mais indefesas, que encontre pela frente. A
crença popular reconhece, igualmente, diversas formas para quebrar o fado:
queimar a roupa retirada do corpo no momento em que o lobisomem a abandona para
ir espojar-se ou golpeá-lo numa parte do corpo até fazer sangue, são as mais
indicadas.
Sendo embora mais frequente falar-se
do lobo como componente animal do lobisomem (também denominado “lobo da gente”, ou simplesmente “corredor”, por correr fado), o certo é
que a crença popular refere também o cavalo, o burro, o bode, entre outros. A
representação do lobo nesta “entidade mítica” não é alheia ao desassossego que
aquele animal provoca, desde sempre, no inconsciente coletivo. As comunidades
rurais ainda hoje o encaram como um animal cruel, implacável com os seres mais
indefesos, inimigo de pastores, dos caminhantes da noite e pesadelo permanente
das crianças que habitam nas aldeias mais isoladas. Não se estranha, por isso,
que no fabulário popular o lobo apareça como símbolo do mal e que o conceito de
lobisomem, enquanto produto da fantasia popular, possa ser considerado como uma
tentativa de apresentar uma criatura onde se conjuga a ferocidade maléfica do
lobo com as emoções angustiosas do homem. Por isso, o mito do lobisomem pode
não passar de uma expressão da lupinidade, mais ou menos contida, que se abriga
dentro de cada um de nós.
A.P
(Bib.: PARAFITA, A. – A Mitologia dos Mouros, Gailivro, Porto, 2006)