(António Pinelo Tiza, Berta Nunes, António Martinho, Alexandre Parafita)
Em toda a região norte contam-se aos milhares os bens
culturais a carecer de protecção e salvaguarda, e muitos são merecedores de
constar na lista de Património Imaterial classificada pela UNESCO, tal como
aconteceu com o Fado e a Dieta Mediterrânica. Entre os exemplos de Património
Cultural Imaterial que merecem integrar a lista da UNESCO, é de destacar a
Festa da Bugiada em Sobrado (Valongo), também conhecida pela dança dos Búgios e
Mourisqueiros, inspirada numa luta entre cristãos e mouros pela posse de uma
imagem milagrosa, cuja memória atravessou os séculos. Mas há também, com a
mesma carga mítico-lendária, o Auto de Floripes, no concelho de Viana do
Castelo, um verdadeiro tesouro da dramaturgia popular, representado nas ruas e
recuperando memórias medievais de lutas entre cristãos e turcos. Lutando também
por um lugar merecido na tribuna dos bens culturais classificados pela UNESCO
como património mundial, há que reconhecer as celebrações da Semana Santa em
Braga, com as tradicionais procissões da “Burrinha”, do “Ecce Homo” e do
Enterro do Senhor, ocorridas durante a noite em cenários por vezes
tenebrosos.
Outros bens profundamente identitários na região, mas
que não usufruem da mesma dinâmica mediática, são os ritos solsticiais de
inverno em Trás-os-Montes, onde são merecedores de atenção os caretos de
Podence, os rituais de máscaras de Bragança e Vinhais, ou as festas dos rapazes
de Torre de Dona Chama. Contudo, há ainda que encarar o património cultural
imaterial profundo, esse sim em risco de extinção por força do desaparecimento
dos seus intérpretes, “tesouros vivos” como lhes chama a UNESCO. Por exemplo, o
Romanceiro transmontano, considerado o mais rico do mundo com muitos milhares
de versões de romances conhecidas, mas também a mitologia dos castros e outras
ruinas, o lendário das paisagens, a toponímia popular, os lugares de memória, os
cancioneiros do Douro e Minho, a medicina e religiosidade popular, os saberes tecnológicos
de artesãos, tanoeiros, construtores de barcos rabelos, cesteiros, moleiros. Infelizmente, quando se trata de lançar mãos de bens
culturais a classificar chegam-se sempre à frente os “lóbis políticos”, na
ânsia dos holofotes mediáticos, e que pouco ou nada se preocupam com os riscos
que corre o património imaterial profundo, que se extingue de ano para ano com
o desaparecimento dos seus intérpretes.
(Alexandre Parafita)