sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A fada e a chouriça


[Na imagem, duas crianças de uma escola de Lamego dão vida a este conto popular. Parabéns para elas e para os seus professores – que sabem muito bem quais são as “metas” para que estas crianças cresçam saudavelmente, e não precisam que os técnicos "iluminados" de Lisboa lhas venham ensinar…]
 
Conta-se que, numa certa aldeia, estava um casal a fazer serão, aproveitando o calor das últimas brasas, quando, da chaminé, veio uma fada que anunciou a oferta de três dons. Era só pedi-los. A seguir desapareceu. O homem e a mulher, como eram pobres, ao receberem tal notícia não cabiam em si de contentes. O pior foi quando começaram a escolher os dons que iriam pedir. E não foi preciso muito para desatarem a discutir um com o outro. Ele dizia:
– Vou pedir searas, pomares, lameiros!...
E ela:
– Eu não. Antes quero uma casa nova, móveis, roupas de linho!...
Estiveram, por isso, nesta discussão um tempo infinito. Ele a querer isto, ela a querer aquilo. Depois ele já queria mais isto, ela mais aquilo. Definitivamente, não se entendiam. Até que a mulher, no meio da discussão, olha para as brasas ainda vivas no borralho e diz:
– Que ricas brasas p’ra assar uma chouriça!
Acaba de o dizer, e eis que uma chouriça, que tinham junto à chaminé, na trave do fumeiro, lhes cai, mesmo em cheio, em cima das brasas. O homem ficou então todo arreliado com a mulher, pois, por sua causa, haviam perdido já um dos três dons.
– Imaginem só – diz ele –, quando podia ganhar um campo de cereal, vou ter de me contentar com uma chouriça!
E continuou a discutir com ela, agora em altos gritos, acabando por lhe rogar uma praga:
– Pena é que não te fosse pendurar ao nariz!
Meu dito meu feito. A chouriça vai e... zás! Pendura-se-lhe no nariz. E dali não saía. A mulher, coitada, desatou a gritar como uma perdida, suplicando ao homem que fizesse alguma coisa. E que havia ele agora de fazer? Teve de usar o último dos três pedidos à fada para que tirasse a chouriça do nariz à mulher. Lá se foram assim as searas, os pomares, os lameiros, a casa nova, os móveis, as roupas de linho. Ficaram, por isso, pobres como dantes. Apenas ganharam aquilo que já tinham em casa: uma chouriça.
 
(Fonte: PARAFITA, A. – Bruxas, Feiticeiras e suas Maroteiras, Lisboa, Texto Editores, 2003).