domingo, 10 de março de 2013

Março marçagão

  
Este fim de semana, com os temporais de tornados e trovões a eclodir por todo o lado, é bem a prova acabada de mais um março marçagão, invariavelmente traiçoeiro: “de manhã cara de cão, ao meio dia cara de rainha, à tarde cara de fuinha e à noite corta como a foicinha”. Não é em vão que o povo do Douro vai dizendo que o “março é merceeiro e tão falso com´ó fevereiro”.
Do fevereiro, a gente já sabia que é velhaco. Afinal, “matou a mãe ao soalheiro”. Em Sabrosa, conta-se que a pobre velhinha, mãe do dito, ao olhar pela janela e, vendo o sol a raiar, perguntou ao filho:
– Olha lá, ó fevereiro, hoje não mandas chuva?
– Hoje não – diz ele. – Hoje mando uma ressa de sol.
Ela então pegou na roca e no fuso e foi para o soalheiro fiar. Nisto, o safado mandou vir uma forte saraivada, e a pobre, como era velhinha, não teve tempo de fugir e morreu ali mesmo. Assim se conta em Sabrosa. Mas em Vinhais conta-se mais. Ouvi a um idoso de Espinhoso que o fevereiro fez vir uma ressa de sol e mandou a mãe ao monte nua. A seguir, mandou uma saraivada e matou-a. Por isso, diz o povo que “o fevereiro é velhaco e traiçoeiro” e que “fevereiro quente traz o diabo no ventre”. Também me contou o mesmo idoso de Espinhoso que, uma velha, já farta do fevereiro, ao chegar a 28, disse-lhe:
– Vai-te embora, maldito fevereiro, que só me deixaste um cordeiro!
E ele:
– Andá lá, anda, que ainda aí vem o meu irmão março que não te deixará nem cordeiro nem farrapo!
Como de facto. O março aí está a fazer das suas. E daí que o povo diga: “O março leva a ovelha e o farrapo e o pastor se é fraco; e o cão escapará ou não”. Mas saiba-se também que, antes de partir, ainda deixa ficar as suas ameaças. Contou-nos o nosso bom amigo e narrador de Espinhoso que, ao aproximar-se o fim do março, uma velha foi-se a ele e disse-lhe:
– Vai-te março marçagão, que ainda me deixas a minha vaca e o meu bezerrinho são!
E ele respondeu:
– Cala-te, velha, que com os três dias que ainda tenho e mais três que me empresta o meu irmão abril, ainda te faço andar com o bezerrinho ao quadril!
 
A gente ouve o povo dizer estas coisas, e só pode mesmo é vergar-se perante tanta sabedoria.

Alexandre Parafita 

Bibliografia:
Gailivro, 2007