Ouvi, há anos, a um velho transmontano, de Espinhoso, Vinhais, desses que designo de “narradores da memória”, esta singela parábola: Quando Nosso Senhor andava pelo mundo, juntaram-se uns poucos de fiéis e foram pedir-lhe:
– Divino Mestre, precisamos de ser felizes. E como somos bons cristãos, apenas vos pedimos quatro coisas: pão, carne, vinho e paz.
Nosso
Senhor respondeu:
–
Só posso dar-vos pão, carne e vinho. A paz tereis de ser vós a consegui-la.
É
ouvindo estas singulares lições, que os flagelos de um tempo atulhado de hostilidades
e incertezas fazem permanecer atuais, que, há muito, me bato pela urgência em reconhecer
como válida esta outra “universidade”. Infelizmente estas “escolas” estão a
fechar depressa demais. E, pelo caminho, vão ficando por descobrir as valiosas
teorias filosóficas de um povo sábio. Um povo de olhos no Céu para achar
respostas na Terra.
Para
ouvi-lo, há que ir ao terreno, indagar sobre a pragmática dos seus saberes.
Saberes convertidos em histórias que nos lisonjeiam a alma. Saberes que não
aprenderam nos livros, mas em aulas práticas nas convenções e rotinas das
tornajeiras e vezeiras, partilhas de água, na energia cinética dos moinhos, nos
fiandeiros, na urdideira dos teares, nas celebrações rituais, nas rotinas ecotelúricas
do minguante ao crescente, no belo horrível das tempestades, na espiritualidade
das crenças, na estética do nascer e pôr-do-sol, na sinfonia dos campos e dos
bosques, ou no silêncio diáfano das montanhas. Aí se recebem valiosas lições de
economia aplicada, de epistemologia das ciências experimentais, lógica e
retórica, semiótica das linguagens, metafísica, filosofia da estética…
Tantas escolas e universidades
frequentei, que me permitiram possuir todos os títulos académicos que um
cidadão pode conseguir, e, afinal, o que mais recordo e aproveito ainda são os
saberes que vou colhendo no seio deste povo!