Decorre(u) por estes dias a evocação do centenário da célebre Batalha de La Lys, onde um jovem soldado transmontano, esguio e pequeno de corpo, deu mostras de uma heroicidade que o mundo inteiro reconheceu e louvou. A sua Pátria, porém, tarda em fazer-lhe justiça. De nome Aníbal Milhais, o seu apelido e o feito que praticou levaram à criação da alcunha “Soldado Milhões”, que o viria a acompanhar a vida toda.
As forças aliadas, onde tinham lugar
as tropas portuguesas, haviam sido fortemente destroçadas, com muitos milhares
de mortos. E no momento em que várias dezenas de militares, muitos deles
feridos, batiam em retirada perante a perseguição do exército inimigo, o jovem
Aníbal ficou (negligentemente ou não) sozinho para trás e viu-se perdido,
escondido numa trincheira, tendo com ele apenas uma metralhadora Lotz e uma
grande quantidade de munições.
Com uma só saída, entre deixar-se
abater, entregar-se ao inimigo ou enfrentá-lo, optou pela última, conseguindo
“varrer” uma coluna inteira de alemães que iam em motocicletas na perseguição
dos aliados. Após tal ato, prudente ou não, caiu-lhe em cima uma outra coluna
de alemães que vinha em socorro dos companheiros atacados pela metralhadora
entrincheirada. Estes, que em princípio contavam que na trincheira se
encontrasse uma quantidade vasta de soldados adversários, ficaram estupefactos quando
de lá lhes saiu um único homem, um pequeno e esguio “Rambo”, com uma só
metralhadora, agora recarregada de munições, a lutar perdidamente pela própria
vida. A surpresa daqueles e o arrojo deste (assente na convicção de que nada
tinha já a perder) foram determinantes para o resultado da façanha. Muitos
alemães tombaram na sua frente e os outros fugiram.
O Milhões viria a ser depois
socorrido nos seus ferimentos por um médico escocês que relatou a odisseia aos
seus superiores, e, a partir daí, a lenda correu mundo. Na memória oral
transmontana andou uma quadra popular que dizia: “Lá vem o grande Milhões / Só
por milagre está vivo / Pois matou mais alemães / Do que os buracos dum crivo”.
Acabada a Guerra, o Soldado Milhões voltou
à sua pobreza, à sensaboria da terra natal, onde viria a ter de sustentar, no
árduo labor do campo, um outro “exército” – esse formado pelos seus oito
filhos. Uma neta do herói contou entretanto a um jornal que o avô apenas
recebeu da Pátria, após a Guerra, uma tença de 15 tostões.
(ap)
Jornal de Notícias, 13-4-2018