domingo, 22 de abril de 2018

Valia milhões, mas a Pátria só lhe pagou 15 tostões




Decorre(u) por estes dias a evocação do centenário da célebre Batalha de La Lys, onde um jovem soldado transmontano, esguio e pequeno de corpo, deu mostras de uma heroicidade que o mundo inteiro reconheceu e louvou. A sua Pátria, porém, tarda em fazer-lhe justiça. De nome Aníbal Milhais, o seu apelido e o feito que praticou levaram à criação da alcunha “Soldado Milhões”, que o viria a acompanhar a vida toda.


As forças aliadas, onde tinham lugar as tropas portuguesas, haviam sido fortemente destroçadas, com muitos milhares de mortos. E no momento em que várias dezenas de militares, muitos deles feridos, batiam em retirada perante a perseguição do exército inimigo, o jovem Aníbal ficou (negligentemente ou não) sozinho para trás e viu-se perdido, escondido numa trincheira, tendo com ele apenas uma metralhadora Lotz e uma grande quantidade de munições.

Com uma só saída, entre deixar-se abater, entregar-se ao inimigo ou enfrentá-lo, optou pela última, conseguindo “varrer” uma coluna inteira de alemães que iam em motocicletas na perseguição dos aliados. Após tal ato, prudente ou não, caiu-lhe em cima uma outra coluna de alemães que vinha em socorro dos companheiros atacados pela metralhadora entrincheirada. Estes, que em princípio contavam que na trincheira se encontrasse uma quantidade vasta de soldados adversários, ficaram estupefactos quando de lá lhes saiu um único homem, um pequeno e esguio “Rambo”, com uma só metralhadora, agora recarregada de munições, a lutar perdidamente pela própria vida. A surpresa daqueles e o arrojo deste (assente na convicção de que nada tinha já a perder) foram determinantes para o resultado da façanha. Muitos alemães tombaram na sua frente e os outros fugiram.

O Milhões viria a ser depois socorrido nos seus ferimentos por um médico escocês que relatou a odisseia aos seus superiores, e, a partir daí, a lenda correu mundo. Na memória oral transmontana andou uma quadra popular que dizia: “Lá vem o grande Milhões / Só por milagre está vivo / Pois matou mais alemães / Do que os buracos dum crivo”.

Acabada a Guerra, o Soldado Milhões voltou à sua pobreza, à sensaboria da terra natal, onde viria a ter de sustentar, no árduo labor do campo, um outro “exército” – esse formado pelos seus oito filhos. Uma neta do herói contou entretanto a um jornal que o avô apenas recebeu da Pátria, após a Guerra, uma tença de 15 tostões.

(ap)