Ainda e só professor, mas já sob a áurea ternurenta dos
afetos, Marcelo Rebelo de Sousa, numa passagem pelo nordeste transmontano, improvisou
uma espécie de aula de geografia para tentar, à sua maneira, localizar
Trás-os-Montes no mapa. «O país – diria então –, está dividido entre a Área
Metropolitana de Lisboa e o resto. Depois, entre as outras áreas metropolitanas
e o resto. Depois, entre todo o litoral e o resto. Depois, há dentro do
interior o interior intermédio e o interior profundo. Dentro do interior
profundo há o interior mais profundo. E é no interior mais profundo do interior
profundo que encontramos Trás-os-Montes (sic)»
Para um candidato que se anunciava já com fortes
probabilidades de chegar a Belém, esta singular lição de geografia mostrava-se,
no mínimo, bastante auspiciosa para os anseios de uma região desfavorecida, que,
vendo sucessivamente adiada a tão prometida dinâmica de discriminação positiva,
pudesse ver agora vingar uma outra dinâmica, essa tal dos afetos, que o
Presidente viria a implementar, procurando envolver toda a governação num olhar
mais fraterno e atencioso para com o interior.
Porém, tal assim não é. Os sinais vão em sentido contrário. A
Unidade de Missão para a Valorização do Interior, grande aposta do atual
governo, foi um falhanço absoluto. Nada conseguiu que se visse, acabando por
demitir-se a sua titular num assumido quadro de frustração e desencanto em relação
às expectativas que abraçou, especialmente na implementação de medidas
concretas para ajudar a travar o despovoamento do interior e o desordenamento
do território. Continuamos assim a ver acentuar-se a desertificação, com este
interior a ficar exclusivamente para os idosos, e a serem sugadas as novas gerações
para o litoral e grandes centros, ou então sacudidas para fora do país.
E já não há mais afetos que nos valham quando vemos, como foi
ultimamente divulgado e denunciado, serem chumbadas pelo governo todas as
candidaturas de Trás-os-Montes à atribuição dos fundos europeus do Programa de
Desenvolvimento Rural (PDR 2020) para melhorar a nossa floresta. Ou seja, os
fundos europeus, previstos para corrigir o desequilíbrio territorial, estão a
colocar Trás-os-Montes fora do mapa. Tamanho paradoxo este!
Trás-os-Montes,
afinal, continua ainda longe, recebendo, como sempre recebeu, boas palavras em
vez de ajudas. Que adianta, como diria Rentes de Carvalho, termos o Túnel do
Marão se, no fim, quando o atravessamos não são luzes o que vemos, mas sombras?
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 4-9-2017