O ministro
Augusto Santos Silva, com referência ao potencial das regiões fronteiriças
luso-espanholas, chamou-lhe “um quase diamante por lapidar”, procurando desse
jeito antever uma espécie de filão a sair da Cimeira Ibérica que se anunciava
para Vila Real. E se bem sabemos como os símbolos são as pedras preciosas da
linguagem sábia, há que reconhecer também no diamante a simbologia da perfeição
e do invencível e imutável poder do espírito. Perfeição e espírito remetem-nos
para a cultura. E em boa verdade a cultura foi o que esteve claramente ausente
na Cimeira Ibérica de Vila Real. No imenso cortejo de ministros que de Portugal
e Espanha marcaram presença, não vimos nem o ministro da cultura português nem
o espanhol.
Os
dois países firmaram, de facto, importantes acordos, seja para uma fruição
turística estratégica, seja para a desembocadura dos rios de fronteira, para o reforço
da cooperação científica, tecnológica e empresarial, seja em matéria de emprego
e assuntos sociais, assim como na implementação das redes ferroviárias
(Sines-Madrid; Aveiro – Vilar Formoso – Salamanca; e Porto – Vigo), deixando de
fora a Linha do Douro, apesar dos estudos recentes que apontavam a
reconversão desta via como solução estratégica para o tráfego internacional de
ligação à restante Península e à Europa além-Pirenéus. Tendo sido escolhida a
região do Douro como palco da cimeira, muitos perguntarão: o que ganhou,
afinal, a região, para além dos instantes de fama ou da miragem mediática
focada no Douro navegável e na cidade de Vila Real?
Visto isto, o “quase diamante” que o
ministro invoca não passou do “quase”. Agarrar o projeto cultural comum por que
vêm lutando etnógrafos galegos e portugueses há anos com vista à classificação
pela UNESCO do património imaterial da velha Gallaecia, poderia bem ser o
“diamante” desta cimeira. Só que a cultura não entrou lá.
Quando
pela Europa fora se criam eurorregiões e eurocidades assentes em bases
artificiais, em estratégias que podem prescrever se os interesses que as movem
se alteram, a Galiza e o Norte de Portugal partilham uma consciência de
comunidade transfronteiriça assente em bases culturais profundas e isso faz a
diferença. Partilham laços histórico-culturais retratados na língua, no
lendário comum, na etiologia dos topónimos, no romanceiro e cancioneiro, na
ritualidade dos atos festivos. Saibam (Lisboa e Madrid) que aqui há um povo que
sempre ignorou os muros que os estados jacobinos e centralistas procuraram
impor ao longo da história. Um povo que vive como se as fronteiras não
existissem.
(ap)
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 12-6-2017