Vila Real foi a cidade escolhida para a Cimeira
Ibérica agendada para os próximos dias 29 e 30. Conhecidos os fracassos das anteriores
(em especial da última, em Baiona, entre Rajoy e Passos Coelho, que durou
apenas três horas e não deu em nada…), é já grande o frenesim em torno desta,
que promete, no mínimo, um certo esplendor mediático para Vila Real colocando-a
no mapa das grandes decisões transnacionais.
Sobre a mesa, estarão seguramente temas
de que já se vai falando, inscritos num chamado Programa Operativo de
Cooperação Transfronteiriça (POCTEP). Será assim inevitável retomar o plano de
mobilidade transfronteiriça com a projetada conexão ferroviária de TGV Sines-Lisboa-Badajoz-Madrid,
e (quem sabe?) dar ouvidos a lóbis nortenhos que reclamam a reconversão da
Linha do Douro como solução estratégica para o tráfego internacional de ligação
à restante Península e à Europa além-Pirenéus. Mas estão aí também temas
candentes como os projetos energéticos comuns, as emergências transfronteiriças
com enfoque nos incêndios (hoje as leis
proíbem que bombeiros de um país acudam a uma emergência no país vizinho se
esta ocorrer a mais de dez quilómetros…), o mercado único ibérico para o
turismo, a harmonização das titulações académicas…, e só por milagre é que não cairá
na mesa a incontornável questão da central nuclear de Almaraz, agora que os
dois governos parecem entender-se, ainda que perante a revolta persistente dos
ambientalistas.
Está bem de ver que não faltarão na mesa
muitos assuntos que sempre desuniram os países (e que sustentam a velha
parémia: “De Espanha nem bom vento…”), mas que hoje a vontade dos homens converte
em estratégias de união. Talvez por isso em cima da mesa desta cimeira, que por
sinal até se realiza em terras nortenhas, não irá estar um vislumbre sequer
daquilo que mais une, desde sempre, os dois povos: a cultura ancestral comum Galiza-Norte
de Portugal. E era por aí que tudo deveria começar. A Euro-Região Galiza-Norte
de Portugal, que procura afirmar-se numa lógica europeia nova, jamais chegará a
bom porto se não tiver como âncora uma consciência de comunidade transfronteiriça sustentada no património cultural
imaterial comum. Mas neste capítulo os dois governos estão claramente de costas
voltadas. Apesar dos esforços que etnógrafos portugueses e galegos
representados pela ONG “Ponte nas Ondas” travam há anos, Lisboa e Madrid ainda
não conseguiram sequer entender-se numa coisa bem simples: a apresentação da
tão almejada candidatura comum do Património Imaterial Galego-Português a
Património Mundial da UNESCO. E bem podia ser agora.
Alexandre Parafita
(In JORNAL DE NOTÍCIAS, 13-05-2017)