Cresci a ouvir grandes lições dos
velhos sábios transmontanos. Filósofos pragmáticos, esgrimem metáforas com a
mestria dos sábios gregos. Dão aulas de Economia Aplicada nas tornageiras e
vezeiras, nos maninhos, partilhas de água, nas roldas dos moinhos; dão
workshops de Lógica e Retórica nos fiandeiros, na hermenêutica das celebrações
rituais; avaliam Semiótica das Linguagens na sinfonia dos campos e dos bosques;
investigam sobre Epistemologia das Ciências Experimentais nas rotinas ecotelúricas
do minguante ao crescente; e sobre Metafísica e Filosofia da Estética na
efemeridade comovedora do pôr do sol, no belo-horrível das tempestades, dos
ritos de morte, na espiritualidade das crenças, ou no silêncio diáfano da
solidão das montanhas.
Mas onde melhor reconheço a
sabedoria etnopragmática deste povo ainda é na meteorologia, especialmente na
linguagem dos ventos: “com o vento de feição, não há má navegação”. E
previne-se, sobretudo dos ventos que sopram de Espanha – travessios, gélidos e
secos, trazem cieiros e gripes. Prefere os do lado oposto, ventos húmidos e
menos frios. Por isso, diz “água de vento traz meio sustento” e também “vento
de Vilartão, água na mão” ou “vento suão cria palha e grão”. Mas pior que o
vento espanhol, ainda é o que sopra de todos os lados: “vento de todo o lado é
mandado p’lo Diabo”. Quanto aos de Espanha, o povo não tem dúvidas. Atravessam
a serra de Lomba, e por isso: “vento de Lomba, frio na tromba”. Queimam os
renovos por onde passam, trazem miséria à lavoura. Daí que se diga “vento de
leste não traz nada que preste”, o que vale como a exaurida parémia: “de
Espanha nem bom vento nem bom casamento”.
São sentenças carregadas de
sabedoria popular, mas que, ciclicamente, são chamadas para outras semânticas
alegóricas, nada simpáticas a um desejável clima de boa vizinhança
transnacional. Assim foi nos anos 80, perante a ameaça
da central nuclear espanhola de Sayago, perto de Miranda do Douro, ou do terrível
cemitério de resíduos radioativos de Aldeadávida, em frente a Freixo de Espada
à Cinta. Acompanhei, enquanto jornalista, estas e outras batalhas, para travar
os planos ameaçadores de Espanha. “Com a Espanha tão grande – dizia-me um
popular, – porquê os despejos à nossa porta?”. Ainda assim, batalhas ganhas. Só
que agora o fantasma do nuclear parece voltar, com a lixeira de Almaraz, que representa
uma séria ameaça para toda a bacia do Tejo. Ameaça a um país que, há muito,
disse não ao nuclear. É, pois, hora de dizer: porra, já basta!
AP
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 11-3-2017