Não era suposto trazer aqui de novo o
inquietante “Admirável Mundo Novo” de Huxley com o cenário sombrio de profecias
que traçou para esta sociedade incapaz de se proteger das tecnologias que ela
própria criou. Muitas das suas profecias estão aí, bem o sabemos, ainda que
metaforizadas algumas, outras como ameaça latente. Clonagem, manipulação
genética, pessoas programadas em laboratório, surpreendidas por um rumo que nem
sequer idealizaram, como se a tecnologia não fosse feita para o homem, mas o
homem feito para a tecnologia, são alguns dos vaticínios desse “admirável mundo”.
Um quadro preocupante, já percetível numa geração de “nativos digitais”,
dominados por tecnologias que avassalam sem defesa, crianças e jovens moldados
pelo uso de tablets e smartphones; mas também nos paradoxos de uma sociedade
moderna, em que os anseios de privacidade por vezes obsessiva das famílias
esbarram com os prazeres da visibilidade nas redes sociais, expondo viagens
íntimas, fotos e nome dos filhos, e cada vez menos adotam atitudes críticas em
relação às tecnologias que as escravizam. Como diz Huxley numa entrevista de
1958, a propósito dos ditadores do futuro: “Para se preservar o poder
indefinidamente, só basta obter o consentimento dos governados”.
Mas não voltaria, como disse, a esse
“admirável mundo” se não tivesse lido, há dias, uma admirável reportagem do JN,
rubricada por Sandra Borges, com a história de uma jovem, ex-aluna da UTAD, que
aplicou os saberes do seu curso (Eng.ª da Reabilitação) para ajudar a sua prima
de 15 anos, portadora de doença neuromuscular degenerativa, agarrada a uma cama
e incapaz de se exprimir, a poder comunicar com um computador e assim comunicar
com o mundo. Andreia Matos, durante o seu curso, criou um software de
reconhecimento de expressões faciais, projetado para a sua familiar, mas
adaptável caso a caso conforme o grau de deficiência. A pequena Bárbara (“princesa
Babá” como a tratam) pode agora com um ligeiro sorriso comandar um rato,
interagir com a terapeuta, completar trabalhos escolares ou controlar a
personagem de um jogo.
Será que Aldous Huxley, quando há 86 anos atrás inquietou a humanidade com o seu “Admirável Mundo Novo”, futurando uma sociedade escravizada pela tecnologia, teria sequer admitido nas frinchas das suas profecias um espaço libertador para uma “princesa Babá” que iria ver, deste jeito, um pouco mais aliviadas as agruras do seu mundo?
Será que Aldous Huxley, quando há 86 anos atrás inquietou a humanidade com o seu “Admirável Mundo Novo”, futurando uma sociedade escravizada pela tecnologia, teria sequer admitido nas frinchas das suas profecias um espaço libertador para uma “princesa Babá” que iria ver, deste jeito, um pouco mais aliviadas as agruras do seu mundo?
Alexandre Parafita
in Jornal de Notícias, 18-1-2017