(foto de Luis Borges)
O culto
dos mortos está ainda presente em muitas tradições natalícias transmontanas.
Algumas, especialmente em comunidades rurais do norte do distrito de Vila Real,
são suportadas pela crença de que, na noite de Natal, os mortos da família
regressam às casas que habitaram em vida para participarem na reunião familiar.
Na
simbologia destas tradições têm lugar tanto os vivos como os mortos. Na noite
de consoada, sentam-se à mesa os familiares vivos, mas o espírito de todos os
familiares mortos vem também compartilhar o repasto. Por isso a mesa não é
levantada até à primeira refeição do dia seguinte, porque durante a noite os
espíritos estão presentes e pretendem alimentar-se. Bem se sabe que a
quantidade de alimentos se manterá a mesma, contudo eles alimentaram-se da
essência desses alimentos, presente na espiritualidade que é assegurada pelo
rigor da tradição. Daí que, de geração em geração, a tradição mantenha sempre
os mesmos rituais e o mesmo género de alimentos: as batatas, a couve tronchuda,
o bacalhau, as filhoses, aletria e rabanadas. No dia seguinte, os alimentos que
sobram serão aproveitados para nova refeição, conhecida por “roupa velha”.
Na
consoada há, por isso, sempre uma evocação dos antepassados. Nas aldeias do
Barroso, antes de iniciarem o repasto, é hábito algumas famílias rezarem por
cada um dos familiares falecidos, como que a convidar o seu espírito para a
refeição. Há memória de famílias que punham uma cadeira vazia à mesa. Nessa
cadeira vazia imagina-se o corpo da pessoa cujo espírito estaria ali
representado. E as conversas entre todos decorrem como se ele ali estivesse a
participar, apontando-se frequentemente para o lugar vazio.
Noutras
comunidades transmontanas, também o Diabo tem o seu lugar na tradição do Natal,
sendo personificado numa figura sinistra designada por “Velho Chocalheiro, que
sai às ruas no dia 26 de dezembro e também no dia 1 de janeiro. O mais
conhecido é o “Chocalheiro de Bemposta”. Representa a figura do demónio que,
por castigo, após o Natal, anda pelas ruas com os seus
chocalhos a balançar no traseiro, pedindo esmola para Nossa Senhora e o Menino
Jesus.
Esta tradição apoia-se numa lenda segundo a qual o demónio
tentou seduzir Nossa Senhora quando estava “de esperanças”, a aguardar o
nascimento do Menino, e, por castigo, foi condenado a pedir esmola para ela e
para seu filho. Com os ruidosos chocalhos, para melhor se fazer anunciar à
passagem, e apresentando-se numa figura tauromórfica, com duas laranjas
espetadas nas pontas dos chifres e uma barbicha de bode, sai para as ruas no
dia 26 de dezembro (a pedir para Nossa Senhora) e no dia 1 de janeiro (a pedir
para o Menino Jesus). O produto das esmolas é depois leiloado a favor de Nossa
Senhora das Neves, que representa a mãe ofendida.