Sou ainda
do tempo em que os incêndios nos montes eram coisa rara. Cresci numa aldeia
transmontana, onde, mal se avistava um fogo, o sino tocava a rebate e logo ia
sobre ele um formigueiro de gente, mulheres com canecos de água, homens com
sacholas e vassourões improvisados de estevas e giestas… e tudo se apagava
enquanto o diabo esfrega um olho. Ninguém chamava os bombeiros, julgo até que
nem os haveria. Tempos irrepetíveis, é claro. A natureza tinha outra harmonia. A
humanização das montanhas, o pastoreio com os rebanhos desbastando as ervagens
densas, o mato roçado pelos lavradores para as camas do gado que o curtia para
depois fertilizar os campos, os lareiros e fornos a lenha em todas as casas que
impunham um permanente rebusco e patrulhamento dos pinhais… era outra
realidade. Dela ficou quase nada. Quando muito, o martírio das memórias.
Mas os
tempos mudaram, bem se vê. E realidades novas impõem estratégias novas. A
floresta e os seus recursos continuam a representar uma das maiores
contribuições para o PIB nacional. Abandonar a floresta ao flagelo dos
incêndios é desistir do país. O melhor caminho é combater pela base o flagelo,
especialmente quando começa a estar à vista que os grandes beneficiários da
floresta já não são os que estão ligados à geração da riqueza que ela
representa, mas os que estão ligados à destruição do seu valor – um fenómeno percetível
na vastidão de interesses que vivem hoje da existência do fogo.
E combater
pela base passa por dar voz à ciência e ao conhecimento. Há que ouvir as
universidades que estudam a fundo este fenómeno e teimam em procurar as
melhores soluções para limitar, futuramente, o
flagelo. Realço as palavras recentes de Paulo
Fernandes, investigador da UTAD, ao apontar como caminho, nas ações de
reflorestação do território, a aposta no que chama “árvores bombeiras”, espécies
florestais que não só resistem ao fogo como também contribuem para travar o
avanço das chamas. E destaca várias espécies: o castanheiro, o sobreiro, mas
especialmente o vidoeiro, cuja seiva os russos usam em vodka e xaropes. Onde
estiver esta árvore, o fogo não passa. Por isso, há que criar zonas tampão em
posições estratégicas no território florestal. Ainda é visível no Marão (entre
Cotorinho e Montes) uma mancha destas árvores que sobreviveu a um famoso
incêndio que devastou há anos toda a serra. A casca branca dá-lhes um ar
distinto, um porte de singular beleza. Não é por acaso que o povo lhes dá o
nome de “noivas da floresta”.
in Jornal de Notícias, 8-10-2016