Nunca
praxei, nem fui praxado, mas jamais ousei assumir uma opinião radical contra as
praxes das academias. Enquanto celebrações que marcam momentos especiais,
momentos de mudança de status no meio
social (e a entrada de um jovem no ensino superior não é propriamente um
momento banal…), as praxes recuperam a simbólica dos rituais de passagem,
inclusivos e identitários, que sempre aconteceram
em todas as sociedades, tenham esse ou o nome que tiverem.
Este é,
de resto, um entendimento que foi permitindo, ao longo dos anos, alguma
permissividade da sociedade perante os rituais de praxe das academias, inclusive
perante os exageros neles cometidos. Uma permissividade abonançada pela evocação
das remotas celebrações de passagem que aos mais velhos ia permitindo consignar
também o espaço das suas lembranças: “no meu tempo é que era” “também já passei
por isso”. Mas os tempos mudaram, e mudaram também no respeito pelos valores
originais e simbólicos das tradições. E o que se vê, em muitas praxes, à margem
das orientações das próprias associações académicas, é a presença de grupos sem
formação social nem moral, mentes decrépitas em
corpos taludos que não conseguem libertar-se dos traços psicopáticos que
arrastam na vida, e que procuram, sob a cobertura de uma pretensa tradição académica,
saborear algum frenesim à custa da ingenuidade dos mais inocentes e incautos –
o(a)s caloiro(a)s. Chamar tradição a isto é um equívoco. A tradição assenta em valores
culturais, éticos e morais preservados por um grupo ou comunidade. Anuir a
praxes humilhantes é a sociedade a regredir vários séculos. Basta lembrar que,
já em 1727, D. João V determinou por decreto: «(…) mando que todo e qualquer
estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato,
ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos».
Quando assim é, as praxes são, de facto, uma praga. Teve razão o
Ministro. Mas não se tome a nuvem por Juno. Há academias onde a cultura da
cidadania continua sendo o grande pilar da integração dos novos estudantes. Assinalo
a academia da UTAD, onde por sugestão do reitor, também ele ex-dirigente
académico, é implementado entre os novos estudantes um pacote atrativo de
iniciativas com um sentido solidário,
inclusivo, inovador e empreendedor, propiciando o convívio, o interconhecimento
e o envolvimento com a comunidade. Deste jeito, as praxes, se assim quisermos
continuar a chamar-lhes, recuperam o que mais importa: o sentido original de um
processo civilizado de pedagogia urbana.
(AP)
in Jornal de Notícias, 24-9-2016