Coube-me em dezembro de 1988, enquanto
jornalista, cobrir a inauguração pelo primeiro-ministro Cavaco Silva da chamada
“via rápida do Marão” (entretanto vulgarizada com o nome de “IP4”), considerada,
ao tempo, um dos maiores rasgos da engenharia do século XX, com um impacto previsível
no desenvolvimento regional comparável ao da demarcação pombalina da Região do
Douro. E não podiam ser mais otimistas os discursos políticos de então, que
proclamavam: “Agora, é que o progresso vai chegar”. Mas não chegou. O expectável
desenvolvimento de Trás-os-Montes não aconteceu. Nos últimos 25 anos, a região perdeu
mais de quase 70 mil habitantes, em especial nos meios rurais de onde os mais
jovens partiram, deixando ficar uma população de idosos. E foi o próprio Estado
a ajudar ao descalabro. Deu com uma mão (o IP4), mas tirou com a outra: encerrou escolas, maternidades, serviços de saúde e
tribunais (aplicando no interior rural os mesmos critérios que vigoram para os
grandes centros), extinguiu ou deslocou para as grandes cidades repartições,
serviços públicos, postos e delegações de empresas públicas, imprescindíveis
que eram à dinâmica da vida no interior, enquanto impulsionadores de outras
dinâmicas: criação de empresas e de empregos. A contrariar este revés, salva-se
a UTAD e o IPB, que, no mesmo transcurso temporal, cresceram e se afirmaram nos
seus territórios, contra ventos e marés.
Quanto ao IP4, ficou a
memória trágica das centenas de vítimas mortais, e sobre o almejado progresso, fica
cada vez mais a certeza de que também não é com autoestradas que se desenvolvem
as regiões. A fluidez com que uma autoestrada traz pessoas também as leva. Os
romanos, esses, viram mais longe há dois mil anos. Construíram a sua via romana
ligando Bracara Augusta a Brigantia, seguindo depois até Asturica (Astorga),
mas fizeram-no de olhos postos nos recursos endógenos destes territórios,
explorando termas e minas de ouro e assegurando uma rota eficaz para fins
militares e comerciais. Tinham, por isso, uma estratégia de desenvolvimento. Uma
estratégia que nos dias de hoje, se existe, não se vê como capaz de atrair e
fixar pessoas, empresas, serviços, instituições, massa crítica.
Camilo demorou, entre Vila
Real e o Porto, “vinte horas de liteira”. Hoje demoraria uma, se tanto. Mas
quem pode contentar-se apenas com isso?
AP
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 4-6-2016