Quando vires a pele da burra embarrada na figueira,
já não fazes a sementeira!
É
um provérbio transmontano. O povo usa-o para dizer que, quando as coisas
começam a correr mal, o melhor é desistir a tempo. É a cultura popular na sua
dimensão pragmática [e que lições poderiam tirar dela os atuais governantes, perante a obsessão de levar por diante compromissos absurdos que apenas conduzem ao descalabro...!]. Não menos curioso é que a origem deste provérbio está no
conto popular “A mulher na pele da burra”, recolhido em Ferreira, Macedo de
Cavaleiros:
Conta-se
que houve uma mulher numa aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros que era da
raça do diabo. Era má e autoritária, e, por isso, não aceitava ordens de
ninguém. Casou com um homem bom e humilde, e, como ele não mandava nada, acabou
por morrer de desgosto. Depois, casou segunda vez, e, como o marido recebeu o
mesmo trato, acabou da mesma maneira. A fama da mulher correu de tal forma,
que, para arranjar terceiro marido, foi um cabo dos trabalhos. Mas como era pessoa
de teres, lá lhe apareceu um duma terra vizinha. E logo o avisaram:
– Ó pobrezinho, que triste sorte! Só te espera a morte!
Mas
ele não se importou. Não era como os outros. Determinaram o casamento, casaram,
e ela, logo no primeiro dia, preparou-se para lhe fazer a vida negra. Dizia-lhe
isto, dizia-lhe aquilo... só que a ele entrava-lhe por um ouvido e saía-lhe por
outro. No segundo dia, foram para o campo. E ele então ordenou-lhe:
–
Arranca essas estevas, mata a burra e tira-lhe a pele!
– Bô?! – diz ela – Quem faz isso és tu,
pois quem manda sou eu!
O
homem pegou no rabo de uma sachola, e já não precisou de lhe dar a ordem
segunda vez. Ela vai, e faz o que ele pediu. E depois do trabalho feito, o
homem pegou na mulher, meteu-a na pele da burra e coseu-a. A seguir, acendeu
uma fogueira com as estevas e pôs lá a mulher a assar. E com um pau ia virando
e perguntando:
–
Mandas tu, ou mandou eu?
E
ela:
–
Mando eu!
–
Ah, mulher do diabo! – diz o homem – Ranhosa e teimosa, é virá-la e assá-la!
Depois
de tantas viradelas, a mulher lá se rendeu. E quando ele perguntou:
–
Mandas tu, ou mando eu?
Responde
ela:
– Mandas tu, homem! Mandas tu!
E assim
acabou o castigo. O homem descoseu-lhe a pele da burra e deixou-a sair. No dia
seguinte foi à feira vender uma junta de bois, e, com o dinheiro, comprou uma
guitarra. Os vizinhos, ao verem tal, ficaram muito admirados. E logo pensaram
que, em chegando a casa, o esperava um arraial de pancada. Por isso ficaram à
espreita. E qual não foi o espanto de todos, quando o viram chegar a casa, com
a guitarra nas mãos, e a cantar:
– Guitarra, minha guitarra,
Guitarra, minha bandurra!
E tu não esqueças, mulher,
A pele da nossa burra!
E, mal entrou, disse à mulher:
–
Olha, mulher, vendi os bois, e com o dinheiro comprei esta guitarra.
–
Fizeste bem, homem, fizeste bem!
O
povo, que estava à escuta, não precisou ouvir mais. Acabou ali a má fama da
mulher.
(Bibliografia: PARAFITA, A. - Antologia de Contos Populares,
Vol. 2, Lisboa, Plátano Editora, 2002)