quarta-feira, 3 de abril de 2013

Quando vires a pele da burra embarrada na figueira...


Quando vires a pele da burra embarrada na figueira,
já não fazes a sementeira!

É um provérbio transmontano. O povo usa-o para dizer que, quando as coisas começam a correr mal, o melhor é desistir a tempo. É a cultura popular na sua dimensão pragmática [e que lições poderiam tirar dela os atuais governantes, perante a obsessão de levar por diante compromissos absurdos que apenas conduzem ao descalabro...!]. Não menos curioso é que a origem deste provérbio está no conto popular “A mulher na pele da burra”, recolhido em Ferreira, Macedo de Cavaleiros:


            Conta-se que houve uma mulher numa aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros que era da raça do diabo. Era má e autoritária, e, por isso, não aceitava ordens de ninguém. Casou com um homem bom e humilde, e, como ele não mandava nada, acabou por morrer de desgosto. Depois, casou segunda vez, e, como o marido recebeu o mesmo trato, acabou da mesma maneira. A fama da mulher correu de tal forma, que, para arranjar terceiro marido, foi um cabo dos trabalhos. Mas como era pessoa de teres, lá lhe apareceu um duma terra vizinha. E logo o avisaram:
            – Ó pobrezinho, que triste sorte! Só te espera a morte!
            Mas ele não se importou. Não era como os outros. Determinaram o casamento, casaram, e ela, logo no primeiro dia, preparou-se para lhe fazer a vida negra. Dizia-lhe isto, dizia-lhe aquilo... só que a ele entrava-lhe por um ouvido e saía-lhe por outro. No segundo dia, foram para o campo. E ele então ordenou-lhe:
            – Arranca essas estevas, mata a burra e tira-lhe a pele!
            ?! – diz ela – Quem faz isso és tu, pois quem manda sou eu!
            O homem pegou no rabo de uma sachola, e já não precisou de lhe dar a ordem segunda vez. Ela vai, e faz o que ele pediu. E depois do trabalho feito, o homem pegou na mulher, meteu-a na pele da burra e coseu-a. A seguir, acendeu uma fogueira com as estevas e pôs lá a mulher a assar. E com um pau ia virando e perguntando:
            – Mandas tu, ou mandou eu?
           E ela:
            – Mando eu!
            – Ah, mulher do diabo! – diz o homem – Ranhosa e teimosa, é virá-la e assá-la!
            Depois de tantas viradelas, a mulher lá se rendeu. E quando ele perguntou:
            – Mandas tu, ou mando eu?
            Responde ela:
            – Mandas tu, homem! Mandas tu!
            E assim acabou o castigo. O homem descoseu-lhe a pele da burra e deixou-a sair. No dia seguinte foi à feira vender uma junta de bois, e, com o dinheiro, comprou uma guitarra. Os vizinhos, ao verem tal, ficaram muito admirados. E logo pensaram que, em chegando a casa, o esperava um arraial de pancada. Por isso ficaram à espreita. E qual não foi o espanto de todos, quando o viram chegar a casa, com a guitarra nas mãos, e a cantar:
 
            Guitarra, minha guitarra,
            Guitarra, minha bandurra!
            E tu não esqueças, mulher,
            A pele da nossa burra!
 
            E, mal entrou, disse à mulher:
            – Olha, mulher, vendi os bois, e com o dinheiro comprei esta guitarra.
            – Fizeste bem, homem, fizeste bem!
            O povo, que estava à escuta, não precisou ouvir mais. Acabou ali a má fama da mulher.

(Bibliografia: PARAFITA, A. - Antologia de Contos Populares,
Vol. 2, Lisboa, Plátano Editora, 2002)